sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A História do Bilhetinho Azul

A noite fora maravilhosa. Não havia mais expectativas – o sexo se tornara agora íntimo, como tudo o que os rodeava. Estavam profundamente envolvidos, a essa altura. O amor tinha cruzado o limite de ser um abraço curto pra não sufocar. Cruzou a tênue linha rindo diabolicamente e olhando para trás. Por isso, ela o fez com enorme pesar no coração – aquela angústia que faz o coração parecer minúsculo. “É preciso”, ela pensava, tentando se convencer de que realmente o era. Seu coração pedia que parasse, mas ela, que nunca o havia dado muita atenção, continuava calando-o num gesto de desespero semi-consciente. Assim, lançou um último e demorado olhar naquele com quem havia compartilhado os últimos meses. Estava ali, adormecido, inocente da surpresa que o aguardava pela manhã, quando acordasse com sono e sem vontade de acordar, depois de todo aquele sussurro misturado com suor. Sentada na beirada da cama, ao lado dele, ela fotografava com os olhos o abajour no criado-mudo, que continuava com a luz baixa, ambiente, iluminando fracamente as duas taças de vinho tinto não terminadas, uma ponta de baseado, e as várias latinhas de cerveja cheias de bituca de filtro vermelho em cima da mesa ao lado. O som velho continuava a repetir o mesmo CD que estava lá dentro há horas, tocando aquele velho blues. Haviam rendido na noite. Ela que, secretamente, se despedia. Ele que, inocentemente, se entregava. Virou-se pro lado e deu-lhe um último olhar de perto, mirando diretamente aquela pinta no queixo que ela tanto gostava. Levantou-se, vestiu o sutiã de qualquer jeito, com uma alça meio torcida, pegou a calcinha que até então estivera jogada na poltrona, colocou o vestido preto curto de últimas-noites e pegou a bolsinha que estava jogada embaixo da bermuda dele, já amarrotada. Tirou de dentro uma caneta que colocara ali estrategicamente na véspera, junto com um pedaço de papel azul, e escreveu, com seus garranchos: “Chuchu, vou me mandar. É, eu vou pra Bahia, talvez volte qualquer dia. O certo é que eu to vivendo, eu to tentando... Nosso amor foi um engano”. Deixou no criado, ao lado do cinzeiro, esperando que a ponta do baseado pudesse ajudá-lo, quem sabe. Pegou os sapatos de salto um tanto gastos e saiu, sem qualquer barulho. Fechou a porta atrás de si e ergueu a cabeça, na direção do fim do velho corredor de tapete puído, onde a janela iluminou, com o sol recém-nascido, sua gloriosa maquiagem dormida e o resto de perfume misturado com álcool e maconha que exalavam da pele e dos cabelos, ainda desgrenhados pela noite. Colocou a mão no peito esquerdo, enquanto mirava pela última vez a maçaneta daquele quarto já tão conhecido, mais até do que pretendia. Queria entender, afogada em todo aquele medo, como podia ser tão demente, inconseqüente, porra louca e ainda amar... E assim, não querendo ser incomodada novamente com aquele tipo de pensamento, saiu para a luz do dia, assistindo a toda aquela correria já àquela hora da manhã, com os sapatos ainda dependurados na mão – ônibus que vão e vêm de todos os lugares, homens e mulheres apressados que poderiam ser várias experiências... aquele velho e promissor mundo que não havia mudado, apesar da dor que sentia secretamente.


(Fiz uma história pra música do Cazuza.)

(Mariana P.)

Um comentário:

  1. Algumas musicas parecem mais histórias sendo contadas do que só algumas palavras ritmadas.

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