quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Incerteza pura

Não me vejo naquilo que gosto
não me espelho naquilo que posso
meu passado não define presente e futuro
todos os dias me construo
sou um ser possuído de incertezas
mas completo de todas as purezas.

(Mariana Magalhães)

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Sem

Sem velocidade
Sem embriaguez
Abandonei qualquer sinal
Passo direto, sem ver
sem vez
Quase sem ser
Despida de qualquer sensatez
de qualquer vestígio de lucidez
Deixei qualquer sinal
num lugar qualquer
onde ninguém verá,
onde ninguém nunca passará,
ou saberá
da minha nudez
nesta minha mudez.

Aquele velho silêncio
que foi atropelado por tanto barulho
voltou a correr nas minhas veias;
me estupra
me invade
alguém de fato ouviu meu barulho?
os tempos em que meu coração fez alarde?
Porque agora aquele silêncio covarde
É minha coragem,
Minha droga - num consumo mutuo
nos matamos, reciprocamente
promiscuamente
enquanto o engulo lentamente
feito mel,
feito comprimido...
reprimido,
já não sinto.

(Mariana Pio)

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O dia em que o Papa esteve no Brasil

Apesar de ter nascido em uma família católica e ter sido batizado com um nome bíblico, Matheus sempre se considerou um ateu fervoroso. Sempre foi um grande crítico das religiões, acreditava que as igrejas eram a melhor forma de 'tirar dinheiro' daqueles que precisavam se apegar a alguma crença para sobreviver nesse planeta mundano.
         Como um cético completo, Matheus deixava claro, para aqueles que quisessem ouvi-lo, que rejeitava crenças na existência de qualquer divindade e outros seres sobrenaturais. A ciência era pura e simples, a única resposta para todas as incógnitas do mundo.
         Um dia desses, ainda meio sonolento, levantou da cama e foi andando lentamente em direção à cozinha, mas antes que pudesse alcançar seu destino matutino, já ouvia sua mãe ao telefone, com uma voz eufórica. Logo imaginou que ela deveria estar falando com uma de suas amigas sobre alguma fofoca da vida de algum artista, mas quando parou para ouvir o que ela falava, percebeu que ela estava falando com o Padre da igreja que ela frequentava. Ficou curioso com toda a euforia de sua mãe ao telefone, mas preferiu esperar ela terminar a conversa, ele sabia que ela viria lhe contar a novidade, seja ela qual fosse.
         Quando ela finalmente desligou o telefone, foi correndo saltitante e feliz em direção ao seu filho, que tomava seu café da manhã lentamente. Matheus não mudou sua feição, apenas levantou os olhos e observou sua mãe vindo como um coelho saltitante. Ouviu por quase meia hora ela contar sobre as viagens que faria com a igreja para acompanhar a vinda do Papa, e sobre como estava feliz por poder fazer essa viagem e a ajudar o Padre de sua igreja a organizar toda a convenção.
-        Você realmente vai gastar seu tempo e dinheiro para isso, mãe? - disse Matheus com um tom pouco debochado e desacreditado no que estava ouvindo.
-        Qual o problema, Matheus? Afinal, o dinheiro serve apenas para realizar as nossas vontades, e no momento, minha vontade é participar dessa convenção. Tenho certeza que será uma viagem espiritual maravilhosa para mim. E, se você quiser, será muito bem vindo, pode me fazer companhia.
-        Ah! Não, muito obrigado, mãe. Estou muito bem por aqui. - respondeu Matheus, rindo um pouco entre cada frase que dizia. - Acho tudo isso uma grande perda de tempo, não sei como as pessoas podem realmente acreditar que Deus existe, simplesmente porque um Padre diz isso toda ‘santa’ missa. As igrejas são a maior mentira que a humanidade já criou.
         Sua mãe havia perdido um pouco do sorriso do rosto, mas mesmo assim, escutou seu filho com muita atenção. Quando ele parou de falar, ela respirou fundo e se juntou a ele na mesa.
-        Realmente, muitas igrejas, não só as católicas, já foram muito injustas com seus fieis, já abusaram de suas confianças, e fizeram milhares de outras coisas que podemos nomear como atitudes abusivas daqueles que faziam parte do clero. Mas não é por isso que devemos deixar de crer em algo que acreditamos que exista. Muito menos criticar as crenças que cada um possui.
         Matheus já tinha ouvido aquele discurso algumas vezes em sua vida, e já estava cansado de ouvir sempre a mesma coisa.
-        Se você, pelo menos, surgisse com um argumento novo e mais convincente, quem sabe essa conversa seria mais produtiva, mãe? Não adianta insistir. Não acredito que Deus fez o mundo em sete dias, não acredito que Ele nos observa e nos protege, até porque, se isso fosse verdade, não existiram tantas desgraças no mundo, como existem desde a existência da humanidade.
-                   Bom, quando estiver realmente disposto a conversar sobre isso, serei toda ouvidos, meu filho. Tenho que ir agora, vou cedo para a igreja ajudar o Padre organizar tudo.
Maria deu um beijo na testa do filho e seguiu, rapidamente, em direção à porta.
         Matheus estava de férias da faculdade e do estágio. Estava sem muito o que fazer, não ia viajar e não havia nada de interessante passando na televisão, então resolveu se sentar na frente do computador. Assim que abriu sua página do Facebook, deu de cara com um post curioso de uma página sobre um certo grupo ateísta. O texto era grande, vinha acompanhado de uma foto de um homem apontando um secador de cabelo para um menino. Achou aquilo interessante, então resolveu ler sobre o assunto. O texto era cheio de ideias contra as religiões, com várias citações, como por exemplo, ao niilismo de Nietzsche. Era um texto com grande conteúdo literário e com um objetivo curioso: angariar outros ateístas e agnósticos para que, nos dias em que o Papa estivesse no Brasil, começassem uma manifestação contra a ‘política das religiões’.
         Ele nunca tinha visto nada parecido no Brasil, então continuou lendo o texto com uma grande curiosidade. Para cumprirem o objetivo da manifestação, esses grupos de ateus e agnósticos teriam que se reunir em pontos importantes de cada capital brasileira, para realizar o ‘desbatismo’ daqueles que lá estivessem. E isso seria feito com secadores de cabelo, simbolizando os ‘ventos do secularismo’ para varrerem as águas do batismo de uma religião imposta à sociedade.
         A cada frase que lia, mais ficava interessado com aquele movimento. Resolveu então que iria até a Praça da Estação, que era o ponto de encontro da capital mineira, a cidade em que morava. Viu que um dos encontros seria naquele dia mesmo, e estava quase na hora de começar. Se vestiu rapidamente e foi correndo para a praça.
         Ao chegar ao local do encontro, se assustou com o número de pessoas que compareceram ao evento, se estivesse olhando de cima, tinha certeza que estaria vendo um mar de pessoas naquele lugar. Alguém falava em um alto falante, e Matheus então começou a seguir aquele som. Era um sujeito que aparentava ter quase 30 anos, vestia chinelos, calças largas, meio rasgadas e blusa branca, com barba a fazer e um cabelo meio bagunçado, falava a plenos pulmões, para aqueles que ali se encontravam, sobre qual era o objetivo daquela reunião.
         Depois de alguns minutos ouvindo aquele discurso, Matheus começou a olhar a sua volta. Milhares de pessoas ouviam com atenção o jovem rapaz que estava em cima do palanque, e balançando a cabeça em sinal afirmativo, todos mostravam concordar com tudo o que ele estava dizendo. Ficou mais algumas horas pela praça, apenas observando tudo o que estava acontecendo.
         Horas depois, foi surpreendido por aquele mesmo rapaz que estava no palanque com um alto falante, perguntando se ele queria ser ‘desbatizado’. Matheus tomou um susto com a forma em que foi abordado, mas educadamente, respondeu que não queria. Dali em diante, ficou cerca de meia hora, preso em um novo discurso, mas dessa vez era  apenas para ele. O jovem rapaz tentava convencê-lo de que o ‘desbatismo’ era a melhor saída para libertar-se das algemas religiosas.
-         Você me parece ser uma pessoa inteligente – continuou o rapaz com seu discurso – e se está aqui, tenho certeza que possui suas dúvidas quanto a existência ou não de seres divinos e sobre naturais, estou certo?
-         Ah... sim. - respondeu Matheus, meio duvidoso se deveria influenciar aquela conversa ou não.
-         Sabia! Você não estaria aqui se não tivesse esses pensamentos rondando pela sua cabeça. Desde que a humanidade existe os homens usam da religião para controlar as pessoas, afirmam existir seres que ninguém nunca viu para poderem segurar os impulsos humanos de tirarem o poder daqueles que não o merecem. E aqueles que acreditam nessas afirmações religiosas são aquelas pessoas que sempre tiveram muito medo do desconhecido, e preferiram se agarrar a qualquer coisa que lhe desse uma estabilidade mental e espiritual. - colocou sua mão no ombro de Matheus e olhou fixamente para os olhos dele – Então, você realmente acha que devemos deixar as pessoas continuarem a ser dominadas pelas igrejas, em pleno século XXI? Você concorda com todos os gastos políticos que foram realizados com a vinda do Papa? E aqueles que não são católicos ou não possuem religião, são obrigados a verem seu Estado gastando dinheiro público, porque um Papa resolveu visitar o país? Precisamos abrir os olhos da humanidade...
Antes mesmo que o jovem rapaz pudesse acabar seu discurso, Matheus colocou a mão no ombro do rapaz, e com um sorriso sem dentes, agradeceu a oferta, mas informou que precisava ir embora.
         Ele voltou para casa pensativo. Nunca tinha visto nada parecido com aquilo, apenas quando era época de eleições ou quando ocorriam movimentos religiosos pela cidade, mas de grupos ateus e agnósticos, aquela atitude, para ele, era novidade.
         Quando chegou em casa, encontrou sua mãe vidrada no computador, resolvendo as coisas para a viagem. Ficou olhando-a por um tempo, até que resolveu se sentar.
-        Mãe, estava, agora a pouco, no movimento que um grupo de ateus e agnósticos estavam fazendo lá na Praça da Estação.
-        É mesmo, Matheus? Você resolveu se ‘desbatizar’? – perguntou Maria, em um tom sereno e sábio.
-        Não, mãe. – balançou a cabeça negativamente e soltou um sorriso de lado. – Fui lá porque fiquei curioso com o movimento, nunca tinha visto nada igual. Até tentaram me ‘desbatizar’, mas eu não quis.
-        Sempre soube que você era meio cético, mas nunca achei que realmente tivesse aderido a algum movimento desses.
-        É, bom... – pensativo, fez uma pausa. – realmente não creio em Deus e nada ligado a qualquer tipo de religião, mas também, não sei se me considero um ateu ou um agnóstico, pelo menos não como aqueles que estavam na praça hoje. Não me vejo fazendo parte de um grupo assim. – pegou a mão de sua mãe e olhou nos olhos dela – Sabe mãe, voltei para casa pensando muito sobre tudo isso, e apesar do meu ceticismo, não concordo com o movimento que eles estão fazendo para atingir o Papa e todos aqueles que acreditam no catolicismo ou em qualquer outra religião.
-        Isso é uma grande novidade, meu filho. – Maria apoiou o cotovelo na mesa, e seu queixo em suas mãos, começou a ficar mais intrigada com a conversa de Matheus – Porque esse pensamento tão repentino? Você sempre foi contra tudo o que falei sobre religião...
-        É, eu sei, mãe. Apenas parei para pensar qual seria a grande diferença entre aquele grupo de ateus e agnósticos da praça, do grupo de católicos que foram receber o Papa. E acho que cheguei a uma conclusão um tanto irônica...
-        E que conclusão é essa?
-        Bom, tudo o que já li sobre os descrentes em figuras religiosas e sobrenaturais, sempre os igualava com um grupo que se dizia sem religião, sem ideais para tentar convencer as pessoas do que realmente existe no mundo ou deixa de existir, os intitulavam, simplesmente, como pessoas irreligiosas. Mostrando que a crença deles era apenas naquilo que pode ser cientificamente comprovado, deixando claro que eles vivem em um mundo completamente positivista, longe de qualquer coisa que possa se caracterizar como duvidosa, sem uma resposta concreta. Sei que realmente existem pessoas que pensam dessa forma e posso dizer que até hoje, eu concordava com todas essas afirmações, mas depois que fui nesse movimento, acabei mudando completamente de ideia sobre certos grupos de ateus e agnósticos.
-        Mas o que aconteceu lá que te fez tanto mudar de pensamento?
-        Eu simplesmente percebi que não existe nada no mundo, que possa ser nomeado como irreligioso. Até aqueles, como os ateus e os agnósticos, que se dizem descrentes de tudo que não possui explicação científica, acabaram criando uma religião, mesmo que não intencionalmente, mas o fato é que criaram uma espécie de religião. O que eu mais percebi nesse movimento de hoje, foi que o grande objetivo do momento não era o 'desbatismo', isso era apenas uma desculpa para reunir os descrentes religiosos, a grande questão de toda aquela reunião, era fazer com que a sociedade ateísta crescesse cada vez mais, unindo aqueles que já tinham aderido ao movimento, com aqueles que ainda estavam em dúvida sobre o que realmente acreditavam ou não.
-        Olha só! Por essa eu não esperava... - afirmou Maria com um tom surpreso.
-        Sem contar que, convenhamos, acaba sendo uma grande hipocrisia as pessoas desse grupo serem contra qualquer religião. Se pararmos para pensar, não existiriam ateus e agnósticos, se as religiões não existissem. Com todo esse movimento de hoje, percebi que eles possuem uma relação de dependência com os religiosos, e se esses religiosos deixarem de existir, os ‘irreligiosos’ também não existirão mais, pois aquilo pelo que afirmam ser contra, não existirá mais.
         Maria soltou um sorriso no rosto e passou a mão pelos cabelos de seu filho.
-        Apesar de continuar com meus pensamentos, sobre a existência de seres divinos, intactos, não concordo com a intenção que certos grupos estão tendo com a vinda do Papa. Acaba que de certa forma se torna uma postura ofensiva a ele e a todos os católicos. Manifestações com 'desbatismo', a realização de 'beijaços gays', protestos contra os gastos com a vinda do Papa... Sim, entendo que tudo tem fundamento. A vinda do Papa teve muitos gastos políticos mesmo, mas não podemos esquecer que, além de Papa, no final das contas, ele também é um líder político como qualquer outro, e a realização desses gastos se faz necessária, tanto para a proteção do próprio Papa, como para a proteção da população brasileira que estará presente nas cerimoniais religiosas que serão realizadas. Devemos sim pedir que o governo brasileiro mostre tudo o que gastou e com o que gastou para sua população, mas de uma forma menos agressiva e ofensiva ao Papa e aos religiosos. E entendo que os homossexuais já passaram e ainda passam por muitos preconceitos, principalmente, pelo fato de que a igreja católica ainda seja contra esse tipo de relacionamento, porém, devemos lembrar que não foi o Papa Francisco que impôs esses pensamentos, apesar de ser o representante da igreja católica, e que a realização de manifestações como essas, não ajuda em nada a população de homossexuais do Brasil, muito pelo o contrário, os expõe para a sociedade de uma forma agressiva, fazendo com que muitos não concordem com a atitude que tiveram, e não os apoiem em suas manifestações. - continuou Matheus.
-        Sabe Matheus... Sempre fui muito religiosa, acredito em muitas coisas que não possuem uma explicação concreta, mas também nunca fui contra ninguém que não acreditasse nas mesmas coisas que eu. Creio que uma sociedade precisa respeitar todas as diferenças, sejam religiosas, culturais ou políticas. E realmente, devemos todos respeitar a figura política e religiosa que é o Papa Francisco, até mesmo porque, dentro de todas as discussões que vêm ocorrendo contra os pensamentos da igreja católica, não podemos esquecer que ele vem demonstrando grande apoio a todos aqueles que demonstram precisarem de algum tipo de apoio, estejam esses problemas envolvidos com questões políticas ou, até mesmo, com questões sociais. - deu uma pausa olhando para seu filho, e suspirou. - Mas tenho que confessar, nunca tinha ouvido e nem pensado em nada do que você disse agora, e para mim, não existe pensamento melhor, que explique tanta coisa, do que o seu sobre toda essa história. Fico feliz que esteja pensando assim.
-        É, mãe... admito que até eu mesmo me surpreendi com todo esse pensamento que tive sobre tudo que envolve as religiões. Sempre fui uma pessoa muito fechada para esse tipo de conversa. Apesar de tudo, gostei do que vi hoje, estava precisando me aprofundar um pouco mais nessas questões para poder tirar minhas próprias conclusões. Não deixo de ter os meus pensamentos quanto a existência ou não de seres divinos pelo mundo, mas posso dizer que estou me tornando muito mais tolerante com aqueles que acreditam nisso.
-         Que bom, Matheus. Você sempre foi meio cabeça dura, mesmo com esses assuntos. – soltou um sorriso frouxo – É muito bom saber que você começou a amadurecer seus pensamentos, ainda mais com assuntos tão complexos de se discutir... - Ela começou a se levantar da cadeira e a desligar o computador – Bom, meu filho, vou me deitar, amanhã o dia vai ser longo. – Deu um beijo em sua testa e foi seguindo para o quarto.
         Matheus ficou observando sua mãe, e antes que ela pudesse sumir para dentro do quarto, em um impulso, ele a chamou.
-        Oi, meu filho... – Maria se virou para ele.
-        Bom, mãe, eu estou de férias, né... Então, se precisar de alguma ajuda para preparar as coisas na igreja amanhã, posso te ajudar.

         Sua mãe o respondeu com um grande sorriso no rosto. – Obrigada, meu filho. Boa noite.

(Mariana Magalhães)