Apesar de ter nascido em uma família católica e ter
sido batizado com um nome bíblico, Matheus sempre se
considerou um ateu fervoroso. Sempre foi um grande crítico das religiões,
acreditava que as igrejas eram a melhor forma de 'tirar dinheiro' daqueles que
precisavam se apegar a alguma crença para sobreviver nesse planeta mundano.
Como um
cético completo, Matheus deixava claro, para aqueles que quisessem ouvi-lo, que
rejeitava crenças na existência de qualquer divindade e outros seres
sobrenaturais. A ciência era pura e simples, a única resposta para todas as
incógnitas do mundo.
Um dia
desses, ainda meio sonolento, levantou da cama e foi andando lentamente em
direção à cozinha, mas antes que pudesse alcançar seu destino matutino, já
ouvia sua mãe ao telefone, com uma voz eufórica. Logo imaginou que ela deveria
estar falando com uma de suas amigas sobre alguma fofoca da vida de algum
artista, mas quando parou para ouvir o que ela falava, percebeu que ela estava falando
com o Padre da igreja que ela frequentava. Ficou curioso com toda a euforia de
sua mãe ao telefone, mas preferiu esperar ela terminar a conversa, ele sabia
que ela viria lhe contar a novidade, seja ela qual fosse.
Quando ela
finalmente desligou o telefone, foi correndo saltitante e feliz em direção ao
seu filho, que tomava seu café da manhã lentamente. Matheus não mudou sua
feição, apenas levantou os olhos e observou sua mãe vindo como um coelho
saltitante. Ouviu por quase meia hora ela contar sobre as viagens que faria com
a igreja para acompanhar a vinda do Papa, e sobre como estava feliz por poder fazer essa viagem e a ajudar
o Padre de sua igreja a organizar toda a convenção.
-
Você realmente vai gastar seu tempo e dinheiro para isso,
mãe? - disse Matheus com um tom pouco debochado e desacreditado no que estava
ouvindo.
-
Qual o problema, Matheus? Afinal, o dinheiro serve apenas
para realizar as nossas vontades, e no momento, minha vontade é participar
dessa convenção. Tenho certeza que será uma viagem espiritual maravilhosa para
mim. E, se você quiser, será muito bem vindo, poderá me fazer
companhia.
-
Ah! Não, muito obrigado, mãe. Estou muito bem por aqui. -
respondeu Matheus, rindo um pouco entre cada frase que dizia. - Acho tudo isso
uma grande perda de tempo, não sei como as pessoas podem realmente acreditar
que Deus existe, simplesmente porque um Padre diz isso toda ‘santa’ missa. As
igrejas são a maior mentira que a humanidade já criou.
Sua mãe
havia perdido um pouco do sorriso do rosto, mas mesmo assim, escutou seu filho
com muita atenção. Quando ele parou de falar, ela respirou fundo e se juntou a
ele na mesa.
-
Realmente, muitas igrejas, não só as católicas, já foram
muito injustas com seus fieis, já abusaram de suas confianças, e fizeram milhares de outras
coisas que podemos nomear como atitudes abusivas daqueles que faziam parte do
clero. Mas não é por isso que devemos deixar de crer em algo que acreditamos
que exista. Muito menos criticar as crenças que cada um possui.
Matheus já
tinha ouvido aquele discurso algumas vezes em sua vida, e já estava cansado de
ouvir sempre a mesma coisa.
-
Se você, pelo menos, surgisse com um argumento novo e
mais convincente, quem sabe essa conversa seria mais produtiva, mãe? Não
adianta insistir. Não acredito que Deus fez o mundo em sete dias, não acredito
que Ele nos observa e nos protege, até porque, se isso fosse verdade, não
existiram tantas desgraças no mundo, como existem desde a existência da
humanidade.
-
Bom, quando estiver realmente disposto a conversar sobre
isso, serei toda ouvidos, meu filho. Tenho que ir agora, vou cedo para a igreja
ajudar o Padre organizar tudo.
Maria deu um beijo na testa do filho e seguiu,
rapidamente, em direção à porta.
Matheus
estava de férias da faculdade e do estágio. Estava sem muito o que fazer, não
ia viajar e não havia nada de interessante passando na televisão, então
resolveu se sentar na frente do computador. Assim que abriu sua página do
Facebook, deu de cara com um post curioso de uma página sobre um certo grupo ateísta.
O texto era grande, vinha acompanhado de uma foto de um homem apontando um
secador de cabelo para um menino. Achou aquilo interessante, então resolveu ler sobre o assunto.
O texto era cheio de ideias contra as religiões, com várias citações,
como por exemplo, ao niilismo de Nietzsche. Era um texto
com grande conteúdo literário e com um objetivo curioso: angariar outros ateístas e
agnósticos para que, nos dias em que o Papa estivesse no
Brasil, começassem uma manifestação contra a ‘política das religiões’.
Ele nunca
tinha visto nada parecido no Brasil, então continuou lendo o texto com uma grande
curiosidade. Para cumprirem o objetivo da manifestação, esses grupos de ateus e
agnósticos teriam que se reunir em pontos importantes de cada capital brasileira,
para realizar o ‘desbatismo’ daqueles que lá estivessem. E isso seria feito com
secadores de cabelo, simbolizando os ‘ventos do secularismo’ para varrerem as
águas do batismo de uma religião imposta à sociedade.
A cada
frase que lia, mais ficava interessado com aquele movimento.
Resolveu então que iria até a Praça da Estação, que era o ponto de encontro da
capital mineira, a cidade em que morava. Viu que um dos encontros seria naquele
dia mesmo, e estava quase na hora de começar. Se vestiu rapidamente e foi
correndo para a praça.
Ao chegar
ao local do encontro, se assustou com o número de pessoas que compareceram ao
evento, se estivesse olhando de cima, tinha certeza que estaria vendo um mar de
pessoas naquele lugar. Alguém falava em um alto falante, e
Matheus então começou a seguir aquele som. Era um sujeito que aparentava ter quase 30 anos, vestia chinelos, calças
largas, meio rasgadas e blusa branca, com barba a fazer e um cabelo meio
bagunçado, falava a plenos pulmões, para aqueles que ali se encontravam, sobre
qual era o objetivo daquela reunião.
Depois de
alguns minutos ouvindo aquele discurso, Matheus começou a olhar a sua volta.
Milhares de pessoas ouviam com atenção o jovem rapaz que estava em cima do palanque, e balançando
a cabeça em sinal afirmativo, todos mostravam concordar com tudo o que ele
estava dizendo. Ficou mais algumas horas pela praça, apenas observando tudo o
que estava acontecendo.
Horas
depois, foi surpreendido por aquele mesmo rapaz que estava no palanque com um
alto falante, perguntando se ele queria ser ‘desbatizado’. Matheus tomou um
susto com a forma em que foi abordado, mas educadamente, respondeu que não
queria. Dali em diante, ficou cerca de meia hora, preso em um novo discurso,
mas dessa vez era apenas para ele. O jovem
rapaz tentava convencê-lo de que o ‘desbatismo’ era a melhor saída para libertar-se das
algemas religiosas.
-
Você me parece ser uma pessoa inteligente – continuou o
rapaz com seu discurso – e se está aqui, tenho certeza que possui suas dúvidas
quanto a existência ou não de seres divinos e sobre naturais, estou certo?
-
Ah... sim. - respondeu Matheus, meio duvidoso se deveria
influenciar aquela conversa ou não.
-
Sabia! Você não estaria aqui se não tivesse esses
pensamentos rondando pela sua cabeça. Desde que a humanidade existe os homens
usam da religião para controlar as pessoas, afirmam existir seres que ninguém
nunca viu para poderem segurar os impulsos humanos de tirarem o poder daqueles
que não o merecem. E aqueles que acreditam nessas afirmações religiosas são
aquelas pessoas que sempre tiveram muito medo do desconhecido, e preferiram se
agarrar a qualquer coisa que lhe desse uma estabilidade mental e espiritual. -
colocou sua mão no ombro de Matheus e olhou fixamente para os olhos dele –
Então, você realmente acha que devemos deixar as pessoas continuarem a ser
dominadas pelas igrejas, em pleno século XXI? Você concorda com todos os gastos
políticos que foram realizados com a vinda do Papa? E aqueles que não são
católicos ou não possuem religião, são obrigados a verem seu Estado gastando
dinheiro público, porque um Papa resolveu visitar o país? Precisamos abrir os
olhos da humanidade...
Antes mesmo que o jovem rapaz pudesse acabar seu
discurso, Matheus colocou a mão no ombro do rapaz, e com um sorriso sem dentes,
agradeceu a oferta, mas informou que precisava ir embora.
Ele voltou
para casa pensativo. Nunca tinha visto nada parecido com aquilo, apenas quando
era época de eleições ou quando ocorriam movimentos religiosos pela cidade, mas
de grupos ateus e agnósticos, aquela atitude, para ele, era novidade.
Quando
chegou em casa, encontrou sua mãe vidrada no computador, resolvendo as coisas
para a viagem. Ficou olhando-a por um tempo, até que resolveu se sentar.
-
Mãe, estava, agora a pouco, no movimento que um grupo de
ateus e agnósticos estavam fazendo lá na Praça da Estação.
-
É mesmo, Matheus? Você resolveu se ‘desbatizar’? –
perguntou Maria, em um tom sereno e sábio.
-
Não, mãe. – balançou a cabeça negativamente e soltou um sorriso
de lado. – Fui lá porque fiquei curioso com o movimento, nunca tinha visto nada
igual. Até tentaram me ‘desbatizar’, mas eu não quis.
-
Sempre soube que você era meio cético, mas nunca achei que
realmente tivesse aderido a algum movimento desses.
-
É, bom... – pensativo, fez uma pausa. – realmente não
creio em Deus e nada ligado a qualquer tipo de religião, mas também, não sei se
me considero um ateu ou um agnóstico, pelo menos não como aqueles que estavam
na praça hoje. Não me vejo fazendo parte de um grupo assim. – pegou a mão de
sua mãe e olhou nos olhos dela – Sabe mãe, voltei para casa pensando muito
sobre tudo isso, e apesar do meu ceticismo, não concordo com o movimento que
eles estão fazendo para atingir o Papa e todos aqueles que acreditam no
catolicismo ou em qualquer outra religião.
-
Isso é uma grande novidade, meu filho. – Maria apoiou o
cotovelo na mesa, e seu queixo em suas mãos, começou a ficar mais intrigada com
a conversa de Matheus – Porque esse pensamento tão repentino? Você sempre foi
contra tudo o que falei sobre religião...
-
É, eu sei, mãe. Apenas parei para pensar qual seria a
grande diferença entre aquele grupo de ateus e agnósticos da praça, do grupo de
católicos que foram receber o Papa. E acho que cheguei a uma conclusão um tanto
irônica...
-
E que conclusão é essa?
-
Bom, tudo o que já li sobre os descrentes em figuras
religiosas e sobrenaturais, sempre os igualava com um grupo que se dizia sem
religião, sem ideais para tentar convencer as pessoas do que realmente existe
no mundo ou deixa de existir, os intitulavam, simplesmente, como pessoas
irreligiosas. Mostrando que a crença deles era apenas naquilo que pode ser
cientificamente comprovado, deixando claro que eles vivem em um mundo
completamente positivista, longe de qualquer coisa que possa se caracterizar
como duvidosa, sem uma resposta concreta. Sei que realmente existem pessoas que
pensam dessa forma e posso dizer que até hoje, eu concordava com todas essas
afirmações, mas depois que fui nesse movimento, acabei mudando completamente de
ideia sobre certos grupos de ateus e agnósticos.
-
Mas o que aconteceu lá que te fez tanto mudar de
pensamento?
-
Eu simplesmente percebi que não existe nada no mundo, que
possa ser nomeado como irreligioso. Até aqueles, como os ateus e os agnósticos,
que se dizem descrentes de tudo que não possui explicação científica, acabaram
criando uma religião, mesmo que não intencionalmente, mas o fato é que criaram
uma espécie de religião. O que eu mais percebi nesse movimento de hoje, foi que
o grande objetivo do momento não era o 'desbatismo', isso era apenas uma
desculpa para reunir os descrentes religiosos, a grande questão de toda aquela
reunião, era fazer com que a sociedade ateísta crescesse cada vez mais, unindo
aqueles que já tinham aderido ao movimento, com aqueles que ainda estavam em
dúvida sobre o que realmente acreditavam ou não.
-
Olha só! Por essa eu não esperava... - afirmou Maria com
um tom surpreso.
-
Sem contar que, convenhamos, acaba sendo uma grande
hipocrisia as pessoas desse grupo serem contra qualquer religião. Se pararmos
para pensar, não existiriam ateus e agnósticos, se as religiões não existissem.
Com todo esse movimento de hoje, percebi que eles possuem uma relação de
dependência com os religiosos, e se esses religiosos deixarem de existir, os
‘irreligiosos’ também não existirão mais, pois aquilo pelo que afirmam ser
contra, não existirá mais.
Maria
soltou um sorriso no rosto e passou a mão pelos cabelos de seu filho.
-
Apesar de continuar com meus pensamentos, sobre a
existência de seres divinos, intactos, não concordo com a intenção que certos
grupos estão tendo com a vinda do Papa. Acaba que de certa forma se torna uma
postura ofensiva a ele e a todos os católicos. Manifestações com 'desbatismo',
a realização de 'beijaços gays', protestos contra os gastos com a vinda do
Papa... Sim, entendo que tudo tem fundamento. A vinda do Papa teve muitos
gastos políticos mesmo, mas não podemos esquecer que, além de Papa, no final
das contas, ele também é um líder político como qualquer outro, e a realização
desses gastos se faz necessária, tanto para a proteção do próprio Papa, como
para a proteção da população brasileira que estará presente nas cerimoniais
religiosas que serão realizadas. Devemos sim pedir que o governo brasileiro
mostre tudo o que gastou e com o que gastou para sua população, mas de uma
forma menos agressiva e ofensiva ao Papa e aos religiosos. E entendo que os
homossexuais já passaram e ainda passam por muitos preconceitos, principalmente,
pelo fato de que a igreja católica ainda seja contra esse tipo de
relacionamento, porém, devemos lembrar que não foi o Papa Francisco que impôs
esses pensamentos, apesar de ser o representante da igreja católica, e que a
realização de manifestações como essas, não ajuda em nada a população de
homossexuais do Brasil, muito pelo o contrário, os expõe para a sociedade de
uma forma agressiva, fazendo com que muitos não concordem com a atitude que
tiveram, e não os apoiem em suas manifestações. - continuou Matheus.
-
Sabe Matheus... Sempre fui muito religiosa, acredito em
muitas coisas que não possuem uma explicação concreta, mas também nunca fui
contra ninguém que não acreditasse nas mesmas coisas que eu. Creio que uma
sociedade precisa respeitar todas as diferenças, sejam religiosas, culturais ou
políticas. E realmente, devemos todos respeitar a figura política e religiosa
que é o Papa Francisco, até mesmo porque, dentro de todas as discussões que vêm
ocorrendo contra os pensamentos da igreja católica, não podemos esquecer que
ele vem demonstrando grande apoio a todos aqueles que demonstram precisarem de
algum tipo de apoio, estejam esses problemas envolvidos com questões políticas
ou, até mesmo, com questões sociais. - deu uma pausa olhando para seu filho, e
suspirou. - Mas tenho que confessar, nunca tinha ouvido e nem pensado em nada
do que você disse agora, e para mim, não existe pensamento melhor, que explique
tanta coisa, do que o seu sobre toda essa história. Fico feliz que esteja
pensando assim.
-
É, mãe... admito que até eu mesmo me surpreendi com todo
esse pensamento que tive sobre tudo que envolve as religiões. Sempre fui uma
pessoa muito fechada para esse tipo de conversa. Apesar de tudo, gostei do que
vi hoje, estava precisando me aprofundar um pouco mais nessas questões para
poder tirar minhas próprias conclusões. Não deixo de ter os meus pensamentos
quanto a existência ou não de seres divinos pelo mundo, mas posso dizer que
estou me tornando muito mais tolerante com aqueles que acreditam nisso.
-
Que bom, Matheus. Você sempre foi meio cabeça dura, mesmo
com esses assuntos. – soltou um sorriso frouxo – É muito bom saber que você
começou a amadurecer seus pensamentos, ainda mais com assuntos tão complexos de
se discutir... - Ela começou a se levantar da cadeira e a desligar o computador
– Bom, meu filho, vou me deitar, amanhã o dia vai ser longo. – Deu um beijo em
sua testa e foi seguindo para o quarto.
Matheus
ficou observando sua mãe, e antes que ela pudesse sumir para dentro do quarto,
em um impulso, ele a chamou.
-
Oi, meu filho... – Maria se virou para ele.
-
Bom, mãe, eu estou de férias, né... Então, se precisar de
alguma ajuda para preparar as coisas na igreja amanhã, posso te ajudar.
Sua mãe o
respondeu com um grande sorriso no rosto. – Obrigada, meu filho. Boa noite.
(Mariana Magalhães)
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