sexta-feira, 9 de maio de 2014

#SomosTodosHipócritas

Maria das Graças morou a vida inteira em São Paulo, tem 35 anos, casada desde os 18 anos de idade, teve seu primeiro filho aos 14 anos, é negra e empregada doméstica.
Trabalhadora como muitos brasileiros, acorda sempre às 4 horas da manhã, de segunda a sábado, pega dois ônibus e o metrô para chegar ao trabalho em ponto, sempre às 06:30 da manhã, em tempo de levar o pão fresquinho para o café da manhã de sua patroa.
Seu dia sempre é agitado, lava, passa, cozinha e cuida das crianças, mas mesmo como todos estes afazeres consegue achar um tempo para ouvir as notícias do dia, sempre gostou de se manter atualizada com as novidades.
Entre o pano que passava no chão e o arroz que deixou cozinhando na panela, foi surpreendida com uma notícia que saia no jornal: #SomosTodosMacacos” era a manchete do dia. Viu que um jogador de futebol negro e famoso havia sido insultado em um jogo, por ter recebido uma banana jogada aos seus pés durante uma partida com o intuito de insulta-lo, chamando-o de “macaco”.
A simpatização da sociedade com este jogador se espalhou pelo mundo exatamente como um vírus, todos comentavam, postavam o hashtag e compartilhavam fotos comendo bananas para apoiar a causa contra o preconceito.
A notícia deixou Maria paralisada por alguns minutos, tempo este suficiente para deixar o arroz queimar.
Maria sempre  sofreu pelo fato de ser negra. Já havia sido chamada por nomes insultantes de todas as categorias imagináveis, mas nem por isso aquele que a insultou, havia sofrido as consequências dos atos de tentar rebaixá-la pela cor da pele que ela possuía.
Mas com aquela notícia Maria começou a pensar que o mundo estivesse realmente começando a mudar. Começou a se sentir esperançosa o suficiente para pensar que seus filhos poderiam viver em um mundo um pouco melhor, em um mundo que estivesse começando a respeitar as pessoas por simplesmente serem pessoas, e não por terem a pele com a cor mais clara que a de outro indivíduo.
Ela estava feliz com o que estava acontecendo no mundo naquele momento. Com a vontade das pessoas em compartilharem de sentimentos de sofrimento e preconceito, ela estava, finalmente, se sentindo menos sozinha no mundo.
O dia de Maria seguiu corriqueiramente e assim que sua patroa chegou em casa, ela se encaminhou para o ponto de ônibus para voltar para a sua casa, para os seus filhos e marido.
Acontece que Maria mora em uma cidade com alto índice de violência e, independente da pessoa, um dia todos sofrem com a pressão da sociedade reprimida, inclusive os que são reprimidos.
Ela estava no ponto de ônibus, segurava firmemente sua bolsa de baixo dos braços e aguardava ansiosa pelo primeiro ônibus que pegaria para completar o longo trajeto até a sua casa.
Quando menos esperava, percebeu que estava rodeada de meninos, que tinham por volta de 17 anos de idade, todos riam alto, falavam palavrões, eram brancos, se vestiam bem e a encaravam a todo o momento.
Maria começou a se sentir incomodada e preocupada, olhava para o seu relógio incansavelmente, até que um deles se manifestou em alto e bom tom:
- E ai pretinha, seu ‘busão’ tá demorando, é? – todos soltaram risadas calorosas. – Cuidado, hein… Tá tão escuro que é capaz do motorista não te enxergar e não parar o ônibus pra você…
As piadas continuaram por algum tempo, até que Maria resolveu tentar “colocar” um pouco de juízo na cabeça daqueles meninos:
Olha aqui, menino! Sua mãe não te deu educação, não é?…
Mas antes que Maria pudesse falar qualquer outra coisa, sentiu uma mão pressionando sua boca, sufocando-a por alguns momentos. Sua bolsa foi arrancada de seu braço e seu corpo, rapidamente, atirado ao chão.
Durante alguns minutos, Maria foi vítima de diversas formas de agressões, tanto físicas como verbais. Mas o que mais lhe doía era saber que toda aquela esperança que havia crescido dentro dela mais cedo naquele dia, havia morrido completamente naquele momento.
De repente, um barulho de um ônibus se aproximando foi se tornando cada vez mais evidente aos ouvidos de Maria e, como ele, os meninos desapareceram, como em um piscar de olhos.
Maria não conseguiu se mover para pedir ajuda, então, respirou fundo e deixou os faróis do ônibus cegarem seus olhos.
(Mariana Magalhães)
Texto postado originalmente na coluna Crônicaria de Bolso da Revista FRIDAYClique aqui para ver!