quinta-feira, 14 de março de 2013

O olhar através do livro


Era apenas mais um dia naquele boteco da esquina, que mais parecia uma caverna do que um bar convidativo para tomar um chopp. Eu sou o garçom, na verdade, sou quase tudo nesse lugar, os únicos empregados por lá somos eu e meu tio, que me arrumou o emprego com o objetivo de não me ver largado pela rua.
A tarde estava quente, tão quente que dava aquela moleza no corpo, e deixava qualquer um sem vontade de fazer qualquer coisa. Em uma terça feira, o botequim estava quase deserto, a não ser por aqueles senhores de idade, aposentados, que preferem ficar na esquina tomando umas boas tantas cervejas, do que ficar em casa vendo sua mulher tricotar sobre a vizinhança com a vizinha de porta.
Eu já estava mais no mundo do sono do que presente naquela tarde escaldante. Na TV passava alguma coisa relacionada à fofoca de celebridade, e meu cotovelo já se encontrava dolorido por sustentar o peso da minha cabeça.
Foi quando uma mulher, do tipo que nunca entraria num boteco copo sujo, entrou no bar, era como se ela fosse um ET aterrissando com sua nave em plena Praça da Liberdade. Ela foi calmamente caminhando em direção a uma das mesas do canto, tinha uma blusa meio rasgada, um short que não era nem curto e nem muito cumprido, que instigava a criatividade. Fui acompanhando seus passos com o olhar, até que sai da hipnose do momento, já que meu braço não sustentava mais minha cabeça.
Ela se sentou em uma cadeira, jogou a bolsa em cima da mesa, tirou as havaianas e apoiou os pés em uma das cadeiras que rodeavam a mesa. Apoiou os óculos escuros na cabeça e começou a ler um livro que tirou de sua bolsa.
Depois de alguns minutos, tirou os olhos da história, e abaixando um pouco o livro, lançou um olhar para mim, como se estivesse dizendo ‘pelo amor de Deus, traz uma cerveja pra mim’. No mesmo minuto me levantei meio desajeitado, quase derrubando a cadeira, e fui em direção a ela. Nesse momento, o bar era puro silêncio. Os velhos largaram a conversa de lado e se concentraram em averiguar como eu procederia com a moça que tinha um olhar que atravessava o livro.
- É... Você... É... A moça gostaria de pedir alguma coisa? – e a vermelhidão tomou conta do meu rosto.
- Você pode trazer, por favor, a cerveja mais gelada que você tiver ai? – Ela falou sem nem mover o livro do rosto, eu podia apenas ver seus olhos com uma expressão tão doce que me dava vontade de arrancar aquele livro da mão dela e beija-la como se o mundo estivesse acabando.
- Claro, claro. Num dia como esse, só aquela geladinha pra aliviar desse calor, não é? – Eu já estava com as mãos banhadas em suor. Fui correndo pegar a gelada pra menina mais bonita que já tinha visto na vida. Mas antes que eu pudesse me virar de costas para ela, e seguir pelo caminho da cerveja, pude desfrutar, por alguns segundos, do sorriso pelos olhos mais bonito que já tinha visto na vida.
Fui à geladeira e peguei aquela cerveja que estava guardando para o fim do meu expediente. Eu não precisava de mais nada para melhorar o meu dia depois que recebi aquele sorriso do olhar. Abri a garrafa e logo fui servindo o copo lagoinha para a moça. Ela continuou na mesma posição estática de antes, levantou o copo em sinal de brinde para mim e, novamente, me mandou aquele olhar sorridente.
Ela passou a tarde toda por lá, o Sol ia caindo e ela não se mexia. Eu completava seu copo de tempos em tempos, só para ter um motivo para chegar perto dela novamente. Passei o dia contemplando seu prazer em ler. Uma hora ou outra era possível saber se o livro estava em um momento feliz ou engraçado, triste ou melancólico. A cada palavra que ela lia seus olhos expressavam o sentimento que a história transmitia naquele momento. Seu prazer em desfrutar o livro juntamente com a cerveja, era tão grande e perceptível, que até mesmo aquela pessoa que estivesse de mau humor com o calor que fazia, mudava sua expressão no minuto em que lançava os olhos sobre aquela menina.
Foi quando comecei a acender as luzes do boteco que ela percebeu que o dia estava indo embora. Finalmente, ela colocou o livro sobre a mesa e olhou assustada para o relógio. Pegou sua bolsa rapidamente, e foi calçando as havaianas quase ao mesmo tempo em que começava a andar. Chegou até o balcão pedindo logo pela conta.
- Nossa, nem acredito nas horas, nem vi o tempo passar. – Começou a passar as mãos nos seus cabelos lisos de uma cor meio castanha, ao mesmo tempo em que procurava sua carteira na bolsa.
Devolvi o troco para ela com um bilhete embolado nas notas. Ela agradeceu com um sorriso sem dentes e virou seu último copo de cerveja antes de sair do bar. Enquanto andava e guardava o dinheiro na carteira, percebeu que havia um papel desconhecido em suas mãos. Parou de costas para mim enquanto lia o que tinha escrito para ela. Minhas mãos começaram a se lambuzar em suor novamente.
‘Quando você não estiver com os olhos em cima de um livro, e quiser tomar uma cerveja com uma companhia, diferente daquela dos personagens de uma história, experimente voltar aqui. Gostaria de poder te fazer sorrir com os olhos, novamente, contando algumas das minhas poucas histórias.
Matheus’
Ela se virou e olhou para mim. Começou a andar de costas para a porta da rua, olhou para o bilhete novamente e depois voltou seus olhos para os meus, lançou um sorriso que começava com aqueles lábios avermelhados e carnudos, continuava em um olhar risonho e terminava com a mão que segurava o bilhete, descansando do lado esquerdo do peito, até que, de repente, ela sumiu pela escuridão das ruas.

(Mariana Magalhães)

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