terça-feira, 2 de julho de 2013

O Povo dilatado de 2013

A movimentação de partículas, que dilata a massa, fenômeno inerente ao calor, veio no inverno. A primavera, como alguns se precipitam em denominar, adiantou-se esse ano. Não me dignei a me manifestar a respeito das manifestações – onde de fato me manifestei – por motivos de haver previsto que essas partículas em movimentações agitadas e de difícil definição haveriam de confundir ainda muitos e em muitos aspectos, de modo que qualquer posicionamento a esse respeito parecia ser, por assim dizer, precipitado. Agora, a pouco mais de duas semanas nas ruas, a necessidade de expressar ~explicitamente~ alguma coisa em relação a isso tudo me deixa a beira de implodir.
            A começar por colocar em xeque aqueles que criticam a política ou se dizem odiadores, em qualquer mesa de almoço ou de bar na qual o assunto eventualmente (sempre) surge. Queria ter visto todos eles nas ruas, sonho meu. Uma vez postos em xeque, cederam. A vontade de subverter a ordem ou, como gritam outros, mais ousados, de mudar o Brasil, morre na discussão mesmo. "Sine práxis". Enfim. Outros, créditos sejam atribuídos, surpreenderam. Me encantaram em uma das assembléias populares, na Câmara dos Vereadores de BH, grupos de pessoas sentadas na grama, no chão, ou mesmo juntos de suas barracas de acampar e faixas penduradas, discutindo política e prática política, buscando informação e conhecimento. Gente que, até onde eu sei, costumava pregar o mais grosso do senso-comum sobre o assunto.
            Houve, ainda, o momento do medo. Tudo passou a ter uma imagem perigosa, assustadora como um gigante acordando grogue de sono, cambaleante, sem saber pra onde mover os próprios pés. O nacionalismo, ou o fascismo disfarçado, como alguns disseram, o hino nacional cantado aos berros e a vagueza, a indefinição aparente do que se reivindicava resultaram num vazio que provocou medo, em alguns, de ser preenchido pela esquerda e, em outros, de ser preenchido pela direita. Os primeiros a convocarem mobilizações erguiam bandeiras vermelhas – movimentos populares que são –, ainda que não explicitamente. Manifestação apartidária não é anti-partidária e muito menos apolítica. Aqueles que acreditavam na possibilidade do golpe descarado (porque o velado está em curso, especialmente no Congresso, legitimamente eleito graças a certas coligações de legendas que cagam&andam para seus eleitores, e aos próprios eleitores, claro) da direita-reaça-conservadora não contavam com a eficiência da ~rede~ que exibe vídeos, gravações e que viabiliza denúncias praticamente em tempo real, de modo que, ainda que em forma de especulação, contribui para que os manifestantes (pelo menos os mais engajados) fiquem alerta. Assim, o verde e amarelo desorientado vai se retirando pela direita da manifestação.
            Alguém que admiro, com muito mais tempo de experiência e política que minha pessoa esquerda-do-Direito, no auge de meus 22 debochados anos de idade, garantiu a solidez da democracia brasileira. Nervos acalmados dentro do possível. Paralelamente, as críticas principais às manifestações evanesciam, pelo menos em Belo Horizonte – cujo povo já nutre um sério e amplo problema como o executivo –, vez que as assembléias populares horizontais foram estabelecidas e a questão do foco passou do estado de “( )sem” para o de “(x)muito”. A outra questão de crítica severa das manifestações, que era a falta de politização, ou mesmo de educação política dos manifestantes, transmutou-se em uma forma de algo como um incentivo. As pessoas conversam sobre política a todo tempo, nos mais variados lugares e com os mais diversos interlocutores. As manifestações fizeram com que as pessoas façam política, ainda que sem querer ou inconscientemente, em especial aqueles que dizem odiá-la. Elas são, por si só, uma manifestação política, um posicionamento, ainda que, em certo momento, não muito bem delineado (ou quase que abstrato - vide “mais saúde, mais educação”, “fora Dilma”, “pena de morte para corruptos”).
            O vandalismo, por sua vez, é questão mais complicada por motivos de subjetividade. Gritaram “sem vandalismo!” e eles responderam com piche: “me vandalizaram a vida toda”. Verdade. Quem há de negar? Quem há de discordar, ainda que discorde do vandalismo em si, que a raiva deles é muito maior e descontrolada que a daqueles que levaram cartazes e clamaram por “pacificidade”? porque assim, pacificidade  e passividade não são sinônimos; antes, dificilmente caminham juntos – luta-se por paz, hoje em dia, e toda forma de luta tem sido válida. Discordar disso me parece prepotente, autoritário: só a MINHA luta é válida. Parece, inclusive, hipócrita, já que não se caminha com os pés dos outros. Ainda sobre o ~vandalismo: meu conspiracionismo Foucaultiano já me soprava nos ouvidos que tinha algo de no mínimo suspeito a respeito. Vídeos e depoimentos de pessoas de diferentes lugares, em diferentes posições sobre/nas manifestações confirmaram: há, sim, policiais infiltrados com a função de inflamar a violência, o vandalismo e o desespero que, pra quem ta no meio das marchas, parece vir do além, do nada, sem motivo aparente, mas que enseja a fumaçada de gás lacrimogênio e balas de borracha que nos invadem e apartam a multidão – tanto enquanto multidão como enquanto sujeitos (diversos, mas unidos por uma causa comum).
            E pra quem achou que era fogo de palha: o povo não se calou com promessas. Nem com projetos anunciados como se fossem MP (que o executivo expede por conta própria e pronto, num primeiro momento), mas que na verdade dependem de votação, quorum, burocracia etc etc etc. Nem com a eminência da aparente resolução de um ou dois ou três pontos questionados durantes as manifestações. O povo quer mudanças estruturais, profundas e, ao que tudo indica, não vai se contentar com medidas paliativas e pontuais. E, aparentemente, nem vai se calar enquanto essas mudanças não forem estabelecidas minimamente.
            Estas análises sobre diferentes pontos, dos mais nebulosos, a respeito das manifestações de 2013, me permitiram concluir pela continuidade delas, em seu curso natural. Aqui em BH, ao menos, chegamos às assembléias populares horizontais, às discussões, também horizontais, sobre as pautas de reivindicações e, até mesmo, ao diálogo com a prefeitura inflexível, higienista e que sofre com os males da movimentação-social-fobia. Aqui ta mais ou menos assim: Prefeito, sua excelência VAI TER que agüentar o povo, esse povo inconveniente e indignado que atrapalha o funcionamento de vossa empresa sustentada com nosso dinheiro – povo ingrato!
            Me parece que é pra esse tipo de posicionamento que as manifestações estão levando os cidadãos e vice-versa; a geração que está tremendo o Brasil e sua perspectiva no mundo já mostra alguma coisa de mais engajada com a consciência política do que a anterior – ainda que esta seja uma possível conseqüência a longo prazo, pra quando quem estiver no poder formos nós; momento este em que, espero, a palavra “poder” não mais designará o tipo de função a que é atribuída hoje – um poder déspota, abusivo. Devaneios... Mas enfim. R-evolução e reconstrução.

(Mariana Pio)

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