Ele era um escritor renomado e respeitado dentro do seu
meio social. Andava sempre com um chapéu na cabeça e um caderno de baixo do
braço. Procurava sempre uma cafeteria na qual pudesse sentar e ver as vidas
alheias passarem, tomando um capuccino e escrevendo sobre aquilo que via.
O consideravam uma máquina de escrever, lançava livros em
uma velocidade descomunal, suas histórias eram tão intrigantes que viciavam
seus leitores de uma forma inexplicável. Seus poemas descreviam a paixão de uma
forma tão intensa e inimaginável, que eram praticamente proibidos para as
jovens que descobriam o amor e para aquelas mulheres que sofriam por um
desamor.
Seu sucesso era implacável. Nem ele mesmo, a própria
máquina de escrever, conseguia compreender como conseguia entrar tão
intensamente dentro da mente de cada leitor. Achava aquilo esplendido, se
sentia quase completamente realizado. Só não entendia, ainda, o porquê da
rejeição interna pela felicidade plena, achava que não precisava de mais nada
para ser feliz, mas não se sentia completo - inteiro por dentro e por fora.
Começou então a questionar sua forma de viver, queria
descobrir uma fórmula para não sofrer sem saber o motivo. Por dias, semanas,
meses, largou seu caderno de lado. Havia entrado em depressão por não saber o
motivo de tanta solidão.
As pessoas não o viam mais na rua. Deixou de ser freguês
assíduo do aconchego das cafeterias locais. Todos se perguntavam por que a
máquina de escrever, não lhes dava mais o prazer de criar coisas para lerem.
Em um dia chuvoso, desses que só se pensa em ficar em
casa de baixo das cobertas, assistindo aquilo que estiver passando na televisão
até cair no sono, ele escuta baterem em sua porta. Preferiu fingir que não
estava em casa, não queria que incomodassem a sua solidão. Mas as batidas
continuaram e cada vez mais insistentes e desesperadas. Ele começou a ficar
inquieto. De repente uma voz surge do outro lado daquela madeira velha que ele
insistia em chamar de porta.
- Eu sei que o senhor está ai. E acho bom abrir essa
porta porque estou ficando encharcada pela chuva.
Ele deu um pulo no sofá. Sabia quem estava a perturbar
seus pensamentos melancólicos. A voz era doce e suave, mas ao mesmo tempo,
decidida. Era a dona de sua cafeteria/livraria preferida. Uma jovem, de uns 20
e poucos anos, que resolveu se aventurar em meio ao pó dos cafés e dos livros.
Ela não sabia, mas em seus últimos escritos, ela era sua inspiração.
Permaneceu ainda um tempo sentando no sofá, sem saber
muito como reagir àquela situação. Outra batida acompanhada de mais uma
afirmação o tirou de seus pensamentos.
- Ande logo, Pedro. Quer que eu pegue uma gripe? Pelo
amor de Deus, estou congelando aqui.
Levantou com um pulo e correu em direção à porta. Ao
tentar abri-la foi um pouco desajeitado, há tanto tempo que não saia de casa
que a porta havia começado a emperrar. Quando finalmente a abriu, viu uma
morena que tagarelava sobre o tempo, entrando em sua casa e lhe dando um sermão
por ter demorado a atendê-la. Ela foi direito para a cozinha, largou seu guarda
chuva, que inutilmente usou para escapar da tempestade. Pingando casa adentro,
saiu à procura de uma toalha para secar os cabelos e tentar evitar que
molhassem mais ainda o assoalho de madeira.
Quando finalmente parou de rodopiar para todos os cantos,
voltou à sala e o encontrou parado em frente à porta, que ainda estava entre
aberta.
- Nossa, mas o que houve com você? Está com cara de
doente. E porque ainda não fechou essa porta, meu Deus?! Esse vento vai trazer
a chuva toda para dentro da casa.
Tereza foi em direção à porta e a fechou, com um pouco de
dificuldade devido ao seu pouco uso nos últimos tempos. Ele continuou com uma
cara de interrogação, há tanto tempo não tinha uma conversa descente com
alguém, que não conseguiu perguntá-la o que a levava até sua casa. Mas nem foi
preciso, ela respondeu, sem mesmo ele precisar perguntar.
- Você deve estar se perguntando o que eu estou fazendo
aqui, não é? Pois bem, a resposta é muito simples, porque você sumiu da minha
cafeteria e me deixou maluca com o tanto de freguês me perguntando a onde você
estava. Fui obrigada a vim averiguar a situação crítica que te fez sumir dos
cafés e dos cadernos.
Ela ficou um tempo olhando para ele esperando uma
resposta. Ele não compreendia o motivo do silêncio, ainda estava assimilando o
motivo da visita inesperada.
- Então... – Perguntou Tereza ainda esperando uma
resposta plausível para tal desaparecimento inoportuno.
Saindo de seu estado de alfa mental, começou a andar pela
casa, tentando deixa-la com uma cara menos bagunçada, e gaguejando, tentando
explicar a mentira de que andava muito ocupado com o trabalho.
- Não minta para mim, Pedro. Seu trabalho nunca foi
dentro de casa, porque agora haveria de ser? Você está com uma cara muito
cansada... Vou lhe fazer um chá.
E lá foi Tereza a caminho da cozinha, como se estivesse
em sua própria casa. Começou a fuçar todos os armários a procura de panelas e
xícaras. Pedro voltou a sentar no sofá, estava tão assustado que não sabia como
reagir àquela presença. Aos poucos foi pensando em como sentiu falta de Tereza
nesses tempos de reclusão social, em como mesmo ensopada pela chuva, seus
cabelos ainda cheiravam a flor de lírio.
Seu chá estava forte, mas tão delicioso que parecia que
trazia o conforto do calor de volta para as veias dele. Foram goles quentes
revigorantes.
- Ahh... Era tudo o que eu precisava depois desse banho
de chuva que peguei. Se não se importa, vou tirar meus sapatos.
Tereza tinha uma forma de se vestir muito curiosa e
peculiar. Estava com um vestido azul escuro, longo, que não era nem justo e nem
muito largo, mas ideal para perceber que Tereza tinha curtas que deixavam
qualquer homem intrigado para conhecê-las. Seus pés calçavam umas botas, que
mais pareciam botinas para chuva. Para as mulheres preocupadas com moda, ela seria
daquelas consideradas ‘sem estilo’, mas que na verdade, ela tinha mais estilo
do que aquelas que seguiam as tendências.
- E ai, Pedro, vai me contar ou não o que está
acontecendo com a máquina de escrever? – Perguntou Tereza se sentando agora ao
lado dele no sofá.
Alguns segundos desconcertantes cortavam a voz dele, não
sabia o que responder.
- Bom, tudo bem, você não precisa me contar o que está
acontecendo, mas tem que me prometer que vai voltar para a cafeteria. Combinado?
Ele balançou a cabeça em sinal afirmativo e forçou um
sorriso amarelo.
Ela sorriu para ele e se despediu com um beijo quente em
seu rosto. Então saiu pela porta pesada, largando para trás sua espécie de
botina e o guarda chuva. Pedro tentou avisá-la do seu esquecimento, mas quando
chegou até a porta, Tereza sumia pela esquina dançando na chuva. Aquela imagem
deixou Pedro vidrado em Tereza, era uma mistura de sensualidade com diversão de
menina. Uma sensação estranha surgia dentro dele, não conseguia compreender bem
do que se tratava, só sabia que a única coisa que queria era sair correndo pela
chuva e pedir permissão para participar daquela valsa das águas.
A noite passou em claro para ele. Rolando pela cama, só
conseguia pensar que queria sentir o gosto daquele chá novamente, mas pelos
lábios de Tereza. Cansado de lutar contra a insônia, resolveu se render à
escrita. Após um bom tempo sem pegar em uma caneta, sentou-se na escrivaninha e
deixou sua mente fluir. Foi colocando no papel toda aquela sensação sufocante
de gritar por Tereza. Sabia falar apenas através da caneta e do papel. Escreveu
a noite inteira, poemas e mais poemas.
Pela manhã, tomou um banho, fez a barba, colocou uma
roupa casual, mas que o deixasse bem vestido. Apesar de ter passado a noite em
claro, sentia-se mais descansado do que nunca. Sentou novamente em sua
escrivaninha e escolheu entre os milhares de poemas que escreveu, o mais
conveniente para a situação. Pegou uma sacola e guardou as botinas e o guarda
chuva de Tereza. Saiu de casa com passos apertados em direção à cafeteria.
Mal conseguiu terminar de subir as escadas do café, e
Tereza apareceu sorridente e com seu rotineiro e estonteante cheiro de lírios,
falando na velocidade da luz. Antes mesmo de escolher uma mesa para se sentar,
ela já o conduzira para sua mesa habitual, informando que este café seria por
conta da casa, em agradecimento pela sua vinda.
Tereza trouxe o de sempre, capuccino com dois pães de
queijo, o preferido de Pedro. Junto com o café da manhã, veio algo esporádico,
um bilhete escrito ‘Obrigada’, borrado com um beijo de batom. Aquela surpresa
fez o sangue dele ferver, ficou mais confiante, mas ainda não conseguiria falar
com ela pessoalmente.
Ele terminou seu café rapidamente e deixou em cima da
mesa uma carta juntamente com a sacola. Saiu antes mesmo que ela pudesse
perceber. Ela estava abarrotada de clientes famintos e sofrendo abstinência de
café.
Quando pode respirar com calma, ela resolveu ir a mesa
dele para conversar um pouco. Mas chegado lá, a surpresa: ele havia indo
embora. Por alguns segundos ficou decepcionada, foi até a porta procurando por
algum sinal do seu poeta preferido, mas nada. Deu um suspiro triste e foi
recolher o prato e a xícara da mesa. Então tomou um susto. Tinha um bilhete na
mesa gritando para ser lido, a letra era inconfundível, sabia que era dele.
‘Não sabia como falar pessoalmente, então aqui vão alguns
versos singelos.
P.S: Na sacola estão suas botas e seu guarda chuva.
Com carinho,
Pedro.'
Com o coração batendo na boca, ela tirou o outro papel
que estava dentro do envelope, tinha presa em ler o que lhe esperava.
‘Não sei muito bem como tudo aconteceu
Sei apenas que um dia meu céu escureceu
Perdi a vontade de escrever
Praticamente minha a vontade de viver
Não sabia mais como fazer o que eu mais amava
Estava perdido em uma tempestade que não acabava
Quando achei que seria levado pela água
Veio alguém e me deu a mão que eu precisava
Me tirou da mágoa que me afogava
Trouxe o calor de volta para o coração
E esse tinha gosto de chá de açafrão
Me deixou meio zonzo com o falatório constante
Mas não queria que ela parasse por nenhum instante
De repente ela se foi dançando pela chuva
Sumiu saltitante em uma curva
Naquela noite não consegui dormir
Tive que me sentar e deixar o lápis fluir
E é por isso que você está lendo este poema
Você fez surgir em mim
Algo que eu só conhecia pelo cinema’
Tereza leu o poema várias vezes, queria acreditar que o
que estava lendo não fazia parte de apenas um dos seus sonhos rotineiros.
Percebeu que sua paixão não era mais platônica. Pediu então, que um de seus
funcionários cuidasse da cafeteria, largou o avental e saiu correndo atrás do
que queria.
Começou a bater insistentemente na porta dele. A porta
emperrou um pouco, deixando o coração dela mais aflito do que nunca. Finalmente
o pesado pedaço de madeira se abriu. Sem pensar duas vezes ela pulou nos braços
dele. Desajeitada, pulou tão atordoada que levou Pedro ao chão. Por alguns
segundos, se encontram pelo olhar, seguido de sorrisos no rosto e um beijo tão
caloroso que faria até inveja nas histórias de amor.
(Mariana Magalhães)
Nenhum comentário:
Postar um comentário