terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Conversa de rua, parte I


Vínhamos andando madrugada afora, vagando, na verdade, vagando nas verdades, long necks mornas a postos, e uma conversa digna de cena de Waking Life. Ela, que caminhava ao meu lado não só ali e nem só literalmente, viu de rabo de olho um filete de sangue me escorrendo testa abaixo e já veio me reprimindo, me acusando de ter arrancado a casquinha do meu machucado de novo, “DE NOVO, MARIANA”. Toda aquela intimidade me parecia um pouco assustadora, mas por mim tudo bem. Já que eu abri a greta, melhor escancarar a porta, era o que eu havia concluído sobre aquilo tudo, aquela relação. “Sim. Você sempre se intrigou com a ideia de eu ser assim, meio autodestrutiva. Não precisa fingir horror agora. Aliás, o que isso quer dizer?”, eu indaguei sem muita convicção de que ganharia uma resposta. “Pulsão de morte”, ela respondeu, seca, para minha surpresa. “E o que quer dizer pulsão de morte?”, “Algo do tipo que a energia que te impulsiona, ela te leva pro limite. É limítrofe”. Aquilo só fez um sentido um tanto vago pra minha pobre cabeça de bêbada. “E...?”, tentei entrar no assunto de uma forma que fizesse aquilo parecer um pouco mais real, ou melhor, menos real. Mais palpável, simplesmente. “Você nunca passa dos limites. Só beira. Mas continue arrancando a testa que uma hora você chega no crânio.” Preferi deixar o silêncio tomar a palavra e continuamos vagando por aquelas ruas vazias, frias e tão conhecidas àquela altura. Depois eu pensava a respeito. Se ainda tivesse a testa.

(Mariana Pio)

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