Vínhamos andando
madrugada afora, vagando, na verdade, vagando nas verdades, long necks mornas a
postos, e uma conversa digna de cena de Waking Life. Ela, que caminhava ao meu
lado não só ali e nem só literalmente, viu de rabo de olho um filete de sangue
me escorrendo testa abaixo e já veio me reprimindo, me acusando de ter
arrancado a casquinha do meu machucado de novo, “DE NOVO, MARIANA”. Toda aquela
intimidade me parecia um pouco assustadora, mas por mim tudo bem. Já que eu
abri a greta, melhor escancarar a porta, era o que eu havia concluído sobre
aquilo tudo, aquela relação. “Sim. Você sempre se intrigou com a ideia de eu
ser assim, meio autodestrutiva. Não precisa fingir horror agora. Aliás, o que
isso quer dizer?”, eu indaguei sem muita convicção de que ganharia uma
resposta. “Pulsão de morte”, ela respondeu, seca, para minha surpresa. “E o que
quer dizer pulsão de morte?”, “Algo do tipo que a energia que te impulsiona,
ela te leva pro limite. É limítrofe”. Aquilo só fez um sentido um tanto vago pra
minha pobre cabeça de bêbada. “E...?”, tentei entrar no assunto de uma forma que
fizesse aquilo parecer um pouco mais real, ou melhor, menos real. Mais palpável,
simplesmente. “Você nunca passa dos limites. Só beira. Mas continue arrancando
a testa que uma hora você chega no crânio.” Preferi deixar o silêncio tomar a
palavra e continuamos vagando por aquelas ruas vazias, frias e tão conhecidas
àquela altura. Depois eu pensava a respeito. Se ainda tivesse a testa.
(Mariana Pio)
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