segunda-feira, 28 de maio de 2012

Todo dia



Espelho, espelho meu...

Não quero ser mais um
Não quero deixar de ser um
Não quero ser mais um na multidão
Mas também não quero deixar ninguém na mão
No mundo é preciso ter emprego
Para não sustentar o desapego
O narcisismo capitalista continua
Mas você está a pé pela rua
Para o Presidente só falta ir a Lua
E continua a disputa
Você tem um mestrado a menos que o filho da puta
Sua vida passa e o mundo continua
Ninguém liga se você precisa de ajuda
Na sua cabeça segue o dilema
E ainda existe um problema
Do sistema você se cansou
Mas o seu filho ainda não jantou.
(Mariana Magalhães)


Cotidiano e o rodo

Daqui de cima vejo a poesia indecente do centro de Belo Horizonte. Sombrinhas se cruzam de um lado ao outro da avenida, em várias direções, fluxos que convergem e divergem ao longo do caminho, sob o céu cinza escuro e a chuva. Às vezes se esbarram, mas a rotina não costuma deixar tempo nem para um breve pedido de desculpas.  Ônibus e carros passam rápido, aos montes, pra lá e pra cá e, daqui do alto, do meu vigésimo segundo andar, bem no meio de tudo, filosofo banalidades - de que esse povo é formado? Jovens, velhos, crianças, negros, brancos, asiáticos, e suas mais variadas combinações. E os indivíduos? De onde eles veem? Para onde vão? Quais seus sofrimentos? E suas alegrias? Talvez algum deles morra hoje. Talvez algum deles faça um filho hoje. Alguém com certeza vai chorar, e alguém com certeza vai chorar de rir. Alguém deve beijar com a boca de hortelã, esperar no portão, lacrimejar de cortar cebola. Pensar em dizer “não” ao meio dia, e querer ir embora, dar o fora. E eles continuam lá, passando despercebidos uns pelos outros. Uma só massa de sujeitos individuais. O centro sujo não deixa esquecer a correria agonizante da rotina que passa por aqui. Nos becos que todos fingem não ver, uns traficam, outros se drogam, outros se prostituem. Gente de todo tipo se esbarra. “Foto!”, “loteria!”, “celular!” – vende-se de tudo, todo dia, no mesmo lugar. Hippies e andarilhos oferecem suas bugigangas artesanais. E as pessoas continuam passando apressadas. Daqui de cima vejo tudo. Em pouco tempo vou me misturar a eles – seremos todos sombrinhas se cruzando sob o mesmo céu, cinza e molhado, vindo de algum lugar em direção a qualquer outro, exatamente como amanhã ou daqui a um mês, ou quem sabe um ano.
(Mariana Pio)






Um comentário:

  1. Enquanto lia, escutei essa trilha sonora maravilhosa, ótima escolha. Bjs

    ResponderExcluir