A movimentação de partículas, que dilata a massa, fenômeno inerente
ao calor, veio no inverno. A primavera, como alguns se precipitam em denominar,
adiantou-se esse ano. Não me dignei a me manifestar a respeito das
manifestações – onde de fato me manifestei – por motivos de haver previsto que
essas partículas em movimentações agitadas e de difícil definição haveriam de
confundir ainda muitos e em muitos aspectos, de modo que qualquer
posicionamento a esse respeito parecia ser, por assim dizer, precipitado.
Agora, a pouco mais de duas semanas nas ruas, a necessidade de expressar
~explicitamente~ alguma coisa em relação a isso tudo me deixa a beira de
implodir.
A começar por colocar em xeque
aqueles que criticam a política ou se dizem odiadores, em qualquer mesa de
almoço ou de bar na qual o assunto eventualmente (sempre) surge. Queria ter
visto todos eles nas ruas, sonho meu. Uma vez postos em xeque, cederam. A
vontade de subverter a ordem ou, como gritam outros, mais ousados, de mudar o
Brasil, morre na discussão mesmo. "Sine práxis".
Enfim. Outros, créditos sejam atribuídos, surpreenderam. Me encantaram em uma
das assembléias populares, na Câmara dos Vereadores de BH, grupos de pessoas
sentadas na grama, no chão, ou mesmo juntos de suas barracas de acampar e
faixas penduradas, discutindo política e prática política, buscando informação
e conhecimento. Gente que, até onde eu sei, costumava pregar o mais grosso do
senso-comum sobre o assunto.
Houve, ainda, o momento do medo.
Tudo passou a ter uma imagem perigosa, assustadora como um gigante acordando grogue
de sono, cambaleante, sem saber pra onde mover os próprios pés. O nacionalismo,
ou o fascismo disfarçado, como alguns disseram, o hino nacional cantado aos
berros e a vagueza, a indefinição aparente do que se reivindicava resultaram
num vazio que provocou medo, em alguns, de ser preenchido pela esquerda e, em
outros, de ser preenchido pela direita. Os primeiros a convocarem mobilizações
erguiam bandeiras vermelhas – movimentos populares que são –, ainda que não
explicitamente. Manifestação apartidária não é anti-partidária e muito menos
apolítica. Aqueles que acreditavam na possibilidade do golpe descarado (porque
o velado está em curso, especialmente no Congresso, legitimamente eleito graças
a certas coligações de legendas que cagam&andam para seus eleitores, e aos
próprios eleitores, claro) da direita-reaça-conservadora não contavam com a eficiência
da ~rede~ que exibe vídeos, gravações e que viabiliza denúncias praticamente em
tempo real, de modo que, ainda que em forma de especulação, contribui para que
os manifestantes (pelo menos os mais engajados) fiquem alerta. Assim, o verde e
amarelo desorientado vai se retirando pela direita da manifestação.
Alguém que admiro, com muito mais
tempo de experiência e política que minha pessoa esquerda-do-Direito, no auge
de meus 22 debochados anos de idade, garantiu a solidez da democracia
brasileira. Nervos acalmados dentro do possível. Paralelamente, as críticas
principais às manifestações evanesciam, pelo menos em Belo Horizonte –
cujo povo já nutre um sério e amplo problema como o executivo –, vez que as
assembléias populares horizontais foram estabelecidas e a questão do foco passou do estado de “( )sem” para
o de “(x)muito”. A outra questão de crítica severa das manifestações, que era a
falta de politização, ou mesmo de educação política dos manifestantes,
transmutou-se em uma forma de algo como um incentivo. As pessoas conversam
sobre política a todo tempo, nos mais variados lugares e com os mais diversos
interlocutores. As manifestações fizeram com que as pessoas façam política, ainda que sem querer ou
inconscientemente, em especial aqueles que dizem odiá-la. Elas são, por si só,
uma manifestação política, um posicionamento, ainda que, em certo momento, não
muito bem delineado (ou quase que abstrato - vide “mais saúde, mais educação”,
“fora Dilma”, “pena de morte para corruptos”).
O vandalismo, por sua vez, é questão
mais complicada por motivos de subjetividade. Gritaram “sem vandalismo!” e eles
responderam com piche: “me vandalizaram a vida toda”. Verdade. Quem há de
negar? Quem há de discordar, ainda que discorde do vandalismo em si, que a
raiva deles é muito maior e descontrolada que a daqueles que levaram cartazes e
clamaram por “pacificidade”? porque assim, pacificidade e passividade não são sinônimos; antes,
dificilmente caminham juntos – luta-se por paz, hoje em dia, e toda forma de
luta tem sido válida. Discordar disso me parece prepotente, autoritário: só a
MINHA luta é válida. Parece, inclusive, hipócrita, já que não se caminha com os
pés dos outros. Ainda sobre o ~vandalismo: meu conspiracionismo Foucaultiano já
me soprava nos ouvidos que tinha algo de no mínimo suspeito a respeito. Vídeos
e depoimentos de pessoas de diferentes lugares, em diferentes posições sobre/nas
manifestações confirmaram: há, sim, policiais infiltrados com a função de
inflamar a violência, o vandalismo e o desespero que, pra quem ta no meio das
marchas, parece vir do além, do nada, sem motivo aparente, mas que enseja a
fumaçada de gás lacrimogênio e balas de borracha que nos invadem e apartam a
multidão – tanto enquanto multidão como enquanto sujeitos (diversos, mas unidos
por uma causa comum).
E pra quem achou que era fogo de
palha: o povo não se calou com promessas. Nem com projetos anunciados como se
fossem MP (que o executivo expede por conta própria e pronto, num primeiro
momento), mas que na verdade dependem de votação, quorum, burocracia etc etc
etc. Nem com a eminência da aparente resolução de um ou dois ou três pontos
questionados durantes as manifestações. O povo quer mudanças estruturais,
profundas e, ao que tudo indica, não vai se contentar com medidas paliativas e
pontuais. E, aparentemente, nem vai se calar enquanto essas mudanças não forem estabelecidas
minimamente.
Estas análises sobre diferentes
pontos, dos mais nebulosos, a respeito das manifestações de 2013, me permitiram
concluir pela continuidade delas, em seu curso natural. Aqui em BH, ao menos,
chegamos às assembléias populares horizontais, às discussões, também
horizontais, sobre as pautas de reivindicações e, até mesmo, ao diálogo com a
prefeitura inflexível, higienista e que sofre com os males da movimentação-social-fobia.
Aqui ta mais ou menos assim: Prefeito, sua excelência VAI TER que agüentar o
povo, esse povo inconveniente e indignado que atrapalha o funcionamento de
vossa empresa sustentada com nosso dinheiro – povo ingrato!
Me parece que é pra esse tipo de
posicionamento que as manifestações estão levando os cidadãos e vice-versa; a geração que
está tremendo o Brasil e sua perspectiva no mundo já mostra alguma coisa de mais
engajada com a consciência política
do que a anterior – ainda que esta seja uma possível conseqüência a longo
prazo, pra quando quem estiver no poder formos nós; momento este em que,
espero, a palavra “poder” não mais designará o tipo de função a que é atribuída
hoje – um poder déspota, abusivo. Devaneios... Mas enfim. R-evolução e
reconstrução.
(Mariana Pio)
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