terça-feira, 30 de julho de 2013

Carta para os planos passados

Há tempos não passo por aqui, mas hoje acordei nostálgica. Resolvi caminhar no parque, como sempre fazíamos aos domingos de manhã. O dia estava com um ar positivo. Andei no meio daquele frio que, aos poucos, era substituído pelo calor do Sol que, timidamente, começava a parecer no céu anil.
Quando cheguei perto do parque, vi duas crianças brincando. Elas jogavam areia uma na outra e riam como se não houvesse amanhã, suas risadas eram de uma sinceridade que passava a gostosa sensação de que o mundo inteiro era igual à felicidade daquele momento. E de novo, lembrei do passado, lembrei de você, de nós dois. Nossos momentos juntos tinham exatamente essa mesma felicidade, a mesma alegria simplista e translúcida.
Não sei mais há quanto tempo não nos falamos, já perdi as contas. Na verdade, nunca calculei esse tempo perdido, ele me seca a minha garganta, me tira o ar, fica quase impossível respirar. Sei, apenas, que essas crianças no parque me fizeram, finalmente, admitir para mim mesma, que sinto sua falta todos os dias. Foi após esse momento de pura realidade que criei coragem e deixei o ar encher meus pulmões ao máximo, me levantei decidida e cheia de coragem. Sem pensar duas vezes, comecei a caminhar em direção a sua casa, e no fundo, vim rezando, torcendo para que você ainda morasse na mesma casa, na Rua 25 de junho (coincidentemente, o dia em que nos conhecemos no bar da esquina).
Quando cheguei à sua porta (onde me encontro, neste momento, escrevendo esta carta), hesitei por um momento, tive medo de tocar a campainha. Pensei em, discretamente, ficar olhando sua janela, esperando alguém passar, torcendo para que esse alguém fosse você. E não precisei esperar muito, você passou pela janela, mas meus segundos de felicidade duraram pouco. Você estava rindo, da mesma forma que aquelas crianças riam no parque, mas quem te fazia rir e que te beijava com tanta sinceridade, era outra pessoa. Por alguns minutos, fiquei estática, meu coração batia devagar. Lentamente, fui escorregando contra o muro e acabei me sentando na calçada.
Respirava forte, mas o ar não enchia meus pulmões, comecei com uma daquelas minhas crises de pânico que você bem conhece. Peguei meu caderno da bolsa e disparei a escrever, aos poucos, comecei a respirar melhor e quando me dei conta, estava escrevendo esta carta para você. Acho que senti uma necessidade de te mostrar que ainda me importo, e que provavelmente, sempre me importarei com você.
Espero que, um dia, eu possa ser feliz sem você, da mesma forma que você aparenta ser sem estar ao meu lado. Apesar de não fazer mais parte disso tudo, desejo, de todo o meu coração, que você continue com toda essa alegria gostosa de ver, sempre gostei do jeito que você sorri. Sei que sua felicidade já não faz parte da minha vida há muito tempo, mas mesmo assim, ainda desejo que ela seja sempre tão translúcida e infinita quanto à daquelas crianças do parque.

Com todo o meu carinho,

Daquela rabugenta que um dia fez parte dos seus planos de felicidade.


(Mariana Magalhães)

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Augusto das chuvas

Augusto era um menino nascido em um berço pobre, foi concebido por acidente, nunca foi desejado por seus pais. Ele nasceu em um dia de chuva e enchente na favela. Sua mãe nunca ligou muito para ele, viveu seus primeiros sete anos de vida com sua avó materna, que ralava dobrado para alimentar o menino. Seu pai, sem ensino médio completo, cansado de procurar um emprego e de ver os riquinhos com seus carros blindados, fechando as janelas em sua cara fingindo que ele não existia, tomou uma decisão. Foi até a casa da avó de Augusto. Depois de uma discussão ferrenha, com direito a algumas agressões físicas, aquela velha senhora desistiu de tentar, e o menino foi arrastado, em prantos, pelo pai. No dia seguinte, Augusto estava dormindo em um papelão na calçada da rua, tremendo de frio e implorando por um trocado, entre os carros fortes habitados com pessoas amedrontadas o suficiente para não perambularem a pé pelas ruas.
Quando alcançou seus 12 anos de idade, cansado de ser espancado e explorado pelo pai, criou postura e se decidiu. Esperou que seu pai apagasse, depois de ter bebido todo o dinheiro que Augusto havia 'esmolado' durante o dia. Lotado de raiva por não ter o que comer, pegou um pedaço de pau que estava largado na rua e começou a sessão de espancamento em seu pai, começou a descontar todo aquele ódio reprimido e doído. E assim o fez, até o momento em que teve certeza de que ele não estava mais respirando. Por alguns minutos, permaneceu ali, parado, ofegante e em silêncio, deixou uma lágrima fugir de seus olhos. Ouviu o barulho dos trovões e percebeu que deveria fugir dali. Achou um viaduto onde moravam alguns vários drogados sem rumo, e decidiu que aceitaria um pouco daquele pó que lhe ofereceram, precisava disfarçar aquela fome que causava dor em seu estômago.

Quatro anos depois, já não parecia mais ser o mesmo, estava magro demais, e agora, andava armado. Um dia desses, se viu no desespero, encontrou-se completamente sem dinheiro para comprar um pouco de cocaína. Olhou para o outro lado da rua e viu uma menina que corria para fugir da chuva que começara. Decidiu que dela tiraria o sustento momentâneo para o seu vício. Apontou a arma para ela, ordenou que passasse sua bolsa e que não gritasse. Mas ela gritou. Chamou a atenção de dois policiais parados na esquina. Augusto não havia parado para olhar se haviam outras pessoas por perto, esse foi seu maior erro. De repente, sua arma disparou, ficou em choque ao ver o sangue que se misturava com a água da chuva no meio da calçada. Começou a correr, não olhou para trás, mas sabia que estava sendo perseguido. Em meio a um disparo, sentiu uma forte dor no peito, ficou sem fôlego. Caiu de joelhos no chão. Viu, novamente, sangue se misturando com a chuva pelo chão. Se deitou, não conseguia mais se mover. Chorou como no dia em que nasceu, mas, dessa vez, seus gritos foram em vão, ficaram abafados pelo barulho da chuva e dos trovões. Foi fechando os olhos devagar. Finalmente, em meio à solidão, sentiu que poderia descansar em paz.

(Mariana Magalhães)

terça-feira, 2 de julho de 2013

O Povo dilatado de 2013

A movimentação de partículas, que dilata a massa, fenômeno inerente ao calor, veio no inverno. A primavera, como alguns se precipitam em denominar, adiantou-se esse ano. Não me dignei a me manifestar a respeito das manifestações – onde de fato me manifestei – por motivos de haver previsto que essas partículas em movimentações agitadas e de difícil definição haveriam de confundir ainda muitos e em muitos aspectos, de modo que qualquer posicionamento a esse respeito parecia ser, por assim dizer, precipitado. Agora, a pouco mais de duas semanas nas ruas, a necessidade de expressar ~explicitamente~ alguma coisa em relação a isso tudo me deixa a beira de implodir.
            A começar por colocar em xeque aqueles que criticam a política ou se dizem odiadores, em qualquer mesa de almoço ou de bar na qual o assunto eventualmente (sempre) surge. Queria ter visto todos eles nas ruas, sonho meu. Uma vez postos em xeque, cederam. A vontade de subverter a ordem ou, como gritam outros, mais ousados, de mudar o Brasil, morre na discussão mesmo. "Sine práxis". Enfim. Outros, créditos sejam atribuídos, surpreenderam. Me encantaram em uma das assembléias populares, na Câmara dos Vereadores de BH, grupos de pessoas sentadas na grama, no chão, ou mesmo juntos de suas barracas de acampar e faixas penduradas, discutindo política e prática política, buscando informação e conhecimento. Gente que, até onde eu sei, costumava pregar o mais grosso do senso-comum sobre o assunto.
            Houve, ainda, o momento do medo. Tudo passou a ter uma imagem perigosa, assustadora como um gigante acordando grogue de sono, cambaleante, sem saber pra onde mover os próprios pés. O nacionalismo, ou o fascismo disfarçado, como alguns disseram, o hino nacional cantado aos berros e a vagueza, a indefinição aparente do que se reivindicava resultaram num vazio que provocou medo, em alguns, de ser preenchido pela esquerda e, em outros, de ser preenchido pela direita. Os primeiros a convocarem mobilizações erguiam bandeiras vermelhas – movimentos populares que são –, ainda que não explicitamente. Manifestação apartidária não é anti-partidária e muito menos apolítica. Aqueles que acreditavam na possibilidade do golpe descarado (porque o velado está em curso, especialmente no Congresso, legitimamente eleito graças a certas coligações de legendas que cagam&andam para seus eleitores, e aos próprios eleitores, claro) da direita-reaça-conservadora não contavam com a eficiência da ~rede~ que exibe vídeos, gravações e que viabiliza denúncias praticamente em tempo real, de modo que, ainda que em forma de especulação, contribui para que os manifestantes (pelo menos os mais engajados) fiquem alerta. Assim, o verde e amarelo desorientado vai se retirando pela direita da manifestação.
            Alguém que admiro, com muito mais tempo de experiência e política que minha pessoa esquerda-do-Direito, no auge de meus 22 debochados anos de idade, garantiu a solidez da democracia brasileira. Nervos acalmados dentro do possível. Paralelamente, as críticas principais às manifestações evanesciam, pelo menos em Belo Horizonte – cujo povo já nutre um sério e amplo problema como o executivo –, vez que as assembléias populares horizontais foram estabelecidas e a questão do foco passou do estado de “( )sem” para o de “(x)muito”. A outra questão de crítica severa das manifestações, que era a falta de politização, ou mesmo de educação política dos manifestantes, transmutou-se em uma forma de algo como um incentivo. As pessoas conversam sobre política a todo tempo, nos mais variados lugares e com os mais diversos interlocutores. As manifestações fizeram com que as pessoas façam política, ainda que sem querer ou inconscientemente, em especial aqueles que dizem odiá-la. Elas são, por si só, uma manifestação política, um posicionamento, ainda que, em certo momento, não muito bem delineado (ou quase que abstrato - vide “mais saúde, mais educação”, “fora Dilma”, “pena de morte para corruptos”).
            O vandalismo, por sua vez, é questão mais complicada por motivos de subjetividade. Gritaram “sem vandalismo!” e eles responderam com piche: “me vandalizaram a vida toda”. Verdade. Quem há de negar? Quem há de discordar, ainda que discorde do vandalismo em si, que a raiva deles é muito maior e descontrolada que a daqueles que levaram cartazes e clamaram por “pacificidade”? porque assim, pacificidade  e passividade não são sinônimos; antes, dificilmente caminham juntos – luta-se por paz, hoje em dia, e toda forma de luta tem sido válida. Discordar disso me parece prepotente, autoritário: só a MINHA luta é válida. Parece, inclusive, hipócrita, já que não se caminha com os pés dos outros. Ainda sobre o ~vandalismo: meu conspiracionismo Foucaultiano já me soprava nos ouvidos que tinha algo de no mínimo suspeito a respeito. Vídeos e depoimentos de pessoas de diferentes lugares, em diferentes posições sobre/nas manifestações confirmaram: há, sim, policiais infiltrados com a função de inflamar a violência, o vandalismo e o desespero que, pra quem ta no meio das marchas, parece vir do além, do nada, sem motivo aparente, mas que enseja a fumaçada de gás lacrimogênio e balas de borracha que nos invadem e apartam a multidão – tanto enquanto multidão como enquanto sujeitos (diversos, mas unidos por uma causa comum).
            E pra quem achou que era fogo de palha: o povo não se calou com promessas. Nem com projetos anunciados como se fossem MP (que o executivo expede por conta própria e pronto, num primeiro momento), mas que na verdade dependem de votação, quorum, burocracia etc etc etc. Nem com a eminência da aparente resolução de um ou dois ou três pontos questionados durantes as manifestações. O povo quer mudanças estruturais, profundas e, ao que tudo indica, não vai se contentar com medidas paliativas e pontuais. E, aparentemente, nem vai se calar enquanto essas mudanças não forem estabelecidas minimamente.
            Estas análises sobre diferentes pontos, dos mais nebulosos, a respeito das manifestações de 2013, me permitiram concluir pela continuidade delas, em seu curso natural. Aqui em BH, ao menos, chegamos às assembléias populares horizontais, às discussões, também horizontais, sobre as pautas de reivindicações e, até mesmo, ao diálogo com a prefeitura inflexível, higienista e que sofre com os males da movimentação-social-fobia. Aqui ta mais ou menos assim: Prefeito, sua excelência VAI TER que agüentar o povo, esse povo inconveniente e indignado que atrapalha o funcionamento de vossa empresa sustentada com nosso dinheiro – povo ingrato!
            Me parece que é pra esse tipo de posicionamento que as manifestações estão levando os cidadãos e vice-versa; a geração que está tremendo o Brasil e sua perspectiva no mundo já mostra alguma coisa de mais engajada com a consciência política do que a anterior – ainda que esta seja uma possível conseqüência a longo prazo, pra quando quem estiver no poder formos nós; momento este em que, espero, a palavra “poder” não mais designará o tipo de função a que é atribuída hoje – um poder déspota, abusivo. Devaneios... Mas enfim. R-evolução e reconstrução.

(Mariana Pio)